quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O sapatinho da Cinderela, o alisamento de cabelo e a opressão racista

Esse texto é fruto de um bate-papo virtual com Gabriel Swahili, um conhecido, ex-colega de trabalho e parceiro de caminhada, no dia 13/12/2010, no MSN.

Tudo começou quando a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins colocou no Twitter uma frase sobre o mito da Cinderela e a mensagem subjacente que esta historinha passa para as mulheres desde a infância. Conta o mito que o príncipe sai com um sapatinho nas mãos em busca da mulher cujo pé coubesse dentro dele (do sapato, é claro), e a mulher que conseguisse isso seria tomada como princesa. Por conta disso, muitas mulheres com pés maiores começaram a mutilá-los de modo que coubessem no bendito sapato para poderem ser escolhidas. Navarro Lins emendou que esse conto passa para as meninas a ideia de que as mulheres têm de aprender desde cedo a adequar os seus corpos às exigências masculinas, seja lá qual for o preço que deva ser pago por isso. Lembro que certa vez li que, há - e durante - muitos séculos, as mulheres chinesas que tinham pés considerados grandes fraturavam-nos e colocavam-nos em sapatos para diminuir o tamanho deles, pois os homens só se sentiam atraídos e escolhiam como esposas mulheres com pés pequenos. Ou seja, o mito não é tão mito quanto pensamos que seja.

Eu concordei com ela, mas o meu conhecido Swahili fez algumas ressalvas. Disse ele que tanto eu como Navarro Lins estávamos vendo as mulheres como indefesas por excelência, pois, na história, o príncipe procura o pé, não maneja a faca (palavras dele). Fiquei bastante assustado após ter lido isso, e escrevi a seguinte mensagem-resposta: “Gabriel, foi você mesmo que escreveu isso? Eu não acredito!” Na data citada acima, ele entrou no MSN e, ao ver que eu estava online, puxou conversa e tivemos um saudável e respeitoso debate sobre o assunto.

Comecei dizendo que acho a interpretação dele equivocada, pois o príncipe não maneja a faca, mas também não casa com uma mulher que não tenha feito os seus sacrifícios para que o pé caiba dentro do tal sapato (inclusive mutilá-lo). E, numa sociedade na qual a única possibilidade de sobrevivência minimamente digna para as mulheres estava no casamento (até porque elas só eram preparadas para isso), aquela que se recusasse a fazer sacrifícios para se enquadrar nas exigências masculinas estaria perdida, mal-paga e desamparada. Trocando em miúdos, as mulheres se viam diante de um grande dilema: ou se adaptavam aos enquadramentos estéticos impostos pelos homens, ou ficariam desamparadas sem ter onde cair vivas (esse papo de “fulana não tem onde cair morta” é mentira. Ela pode não ter onde cair viva, pois, morta, ela cairá em qualquer lugar).

Aproveitei o ensejo para fazer uma comparação com algo ainda bem presente na sociedade brasileira: o alisamento de cabelo. Acho que esta comparação é bastante válida (corrijam-me se eu estiver errado). Às vezes, encontro algumas pessoas que descem a lenha em cima das mulheres que foram jovens nas décadas de 1970 e 1980 por elas alisarem os cabelos com a justificativa de que elas estavam “negando a raça”, “não queriam ser negras”, ou eram “mulheres descaradas e desavergonhadas”, uma vez que o certo seria enfrentar a sociedade. Ora bolas, falar é fácil. Darei um exemplo bem próximo de mim: a minha mãe. Em 1981, ela era uma mulher de vinte e seis anos de idade e já tinha três filhos. Sozinha, teve de trabalhar em dois empregos (às vezes três em alguns momentos) para sustentar essa pequena tropa. Vocês acham que ela deveria perder tempo entrando em conflito com os patrões? Se ela já sabia que seria discriminada sumariamente pelos empresários se batesse na porta deles com os seus cabelos crespos, vocês acham que ela seria idiota a ponto de se negar a alisá-los? Enquanto ela estivesse lá lutando contra a opressão estética racista e se afirmando como negra, quem colocaria comida na minha boca e na boca dos meus irmãos? Povo, o papo é o seguinte: em uma situação desigual de poder, fala-se a língua do mais forte. Se ter os cabelos esvoaçantes ao vento era condição sine qua non para conseguir um emprego, e ela tinha três bocas para dar comida, tudo bem. Que assim seja: alisa essa porra!

(Antes que alguém grite, deixe-me dizer que isso não acabou. Pelo contrário. Há patrões que, atualmente, ainda se recusam a contratar funcionárias que não estejam com os cabelos alisados ou as ameaçam de demissão caso elas não alisem as madeixas.)

Eu não tenho nada contra as mulheres que alisam os cabelos. Quem me conhece sabe que eu não canso de dizer que as negonas são donas dos seus corpos, e, portanto, elas têm o direito de fazer o que quiserem com eles. Se elas gostam de alisar os cabelos, se se sentem bem assim, tudo bem. Eu só luto para que a decisão de dar chapinha, escova progressiva, passar guanidina ou equivalentes seja fruto de uma escolha, não de uma imposição. Ou seja, batalho para que as mulheres negras não sejam obrigadas a alisar os cabelos para serem aceitas pela família e pelos amigos; para conseguirem emprego com mais facilidade, não serem assediadas moralmente pelos colegas de trabalho e patrões; para serem vistas como mulheres mais desejáveis pelos homens (afinal de contas, as negonas também têm o direito – e a necessidade – de beijar na boca e gozar gostoso). Assim como o príncipe na história da Cinderela, há homens que não obrigam as mulheres a alisar os cabelos, mas também não se relacionam com mulheres que não fazem isso.

Em outro momento, Swahili disse que não concorda muito com essa explicação porque, segundo ele, o papel de sujeito dos subalternizados fica anulado. Eu disse que não, e sustentei que reconheço muito bem que os oprimidos são sujeitos, mas em uma relação assimétrica de poder, como já disse, cantar a música que os mandões gostam de ouvir é uma questão de sobrevivência; ninguém (pelo menos até onde eu sei) seria fodão de discutir com uma arma apontada para a cabeça. O historiador João José Reis é muito enfático ao dizer que os escravizados não foram vítimas passivas da escravidão. Eles e elas resistiram o quanto - e da forma que - puderam ao escravismo: através do “corpo mole”, manipulando psicologicamente os seus senhores e prepostos destes, de pequenas e grandes sabotagens (colocar limão no caldo de cana, tacar fogo nas plantações, quebrar os dentes do moinho, dentre outras). Houve rebeliões, revoltas, quebra-paus, senhores matando escravizados, escravizados matando senhores, mas nem sempre era possível – e recomendável – para os escravizados bater de frente contra o sistema; apesar de serem sujeitos, os escravizados tinham um poder de ação bastante limitado. Eles sabiam que tinham de resistir com cuidado e, em alguns momentos, era fundamental fazer (ou pelo menos fingir que estavam fazendo) o jogo dos seus senhores, pois qualquer passo em falso poderia significar o fim da existência.

Claro que houve escravizados que passaram para o lado dos senhores porque quiseram e tinham plena consciência do que estavam fazendo (os capitães-do-mato estão aí para não me deixarem mentir). Não estou negando isso (antes que alguém brade). Era fundamental para o sistema escravista contar com aliados dentro do grupo discriminado, pois, se não fosse isso, a escravidão não teria durado tanto tempo. Todavia, escravizados assim foram exceções – que não devem ser confundidas com a regra.

Em suma, as mulheres são sujeitas. Cabe a elas (e somente a elas) a decisão soberana de fazer o que bem entenderem com os próprios corpos (em qualquer caso). Mas como disse a minha amiga Carol Campbell, é necessário compreender que há mulheres que não aprenderam a se valorizar, a aceitar o seu corpo como ele é, a reconhecer que também são belas, que ouviram todos os absurdos possíveis e imagináveis quando a mãe ou as tias estavam penteando os cabelos delas (uma amiga minha disse que a mãe sempre penteava os cabelos dela repetindo o seguinte mantra: “está vendo, minha filha? Não case com homem preto, pois, se você fizer isso, os cabelos dos seus filhos serão assim, duros iguais aos seus"), e nesses casos é necessário fazer um trabalho longo e delicado de mudança de óptica. É preciso ajudá-las a trocar as lentes com que veem o mundo e a forma como foram inseridas nele, e isso não é algo que acontece em pouco tempo. Ninguém se desvencilha dos próprios preconceitos tão rápida e facilmente quanto aparenta.

(Aproveito a ocasião para contar um caso estarrecedor que ouvi num curso que tomei no Instituto Cultural Steve Biko: uma mulher, negra, tinha uma raiva tremenda dos próprios cabelos. Havia feito de tudo para deixá-los lisos, do jeito que sempre viu nas propagandas de shampoo na televisão. Tentou de tudo: deu chapinha, fez escova progressiva, passou ferro, deu alisante, mas nada. Imagino eu que ela seria capaz de passar até bosta de cavalo se por acaso algum insano dissesse a ela que isso deixaria os cabelos lisos, sedosos e esvoaçantes. Como nada disso deu certo, ela tomou uma medida drástica: colocou os cabelos na mesa, cobriu com uma toalha e passou ferro de roupa nele. Dado que os resultados continuaram insatisfatórios, ela, num acesso de fúria, ateou fogo na cabeça para se livrar dos cabelos “duros”. Foi levada para o hospital com queimaduras de segundo e terceiro graus no couro cabeludo, e ficou um bom tempo internada.

Depois que recebeu alta, a equipe de coordenação e alguns psicólogos ligados à instituição tomaram conhecimento do caso e, após conhecê-la, começaram uma longa sessão de acompanhamento para tirar da cabeça dela essa ideia racista de que cabelos crespos são feios, duros, de pixaim, dentre outros termos pejorativos. Hoje, ela está melhor, aceita o seu corpo como ele é e se tornou mais uma ativista na luta contra o racismo. Não sei quem ela é, antes que alguém pergunte se eu a conheço.)

Para finalizar, ainda de acordo com os comentários da minha amiga Carol Campbell, é necessário também mudar a visão da sociedade como um todo, pois enquanto as mulheres tiverem de se mutilar para serem aceitas, e as que se recusarem a fazer isso forem vistas como feias, incapazes e sistematicamente preteridas, seja como trabalhadoras ou como namoradas/esposas, nada mudará. Elas continuarão tendo que cortar os seus pés ou alisar os cabelos para conseguirem sobreviver.

Não é isso que eu quero. E vocês?

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O capitalismo e as suas crueldades cotidianas

Presenciei uma situação inusitada e revoltante hoje à tarde (dia 08/12). Um dos exemplos mais impactantes que tive da crueldade da exploração do trabalho. Estava dentro de um ônibus coletivo quando de repente entrou um vendedor de doces, cego. Depois de um certo tempo conversando com o motorista, ele começou a andar e anunciar os seus produtos. Uma coisa chamou bastante a minha atenção: ele carregava preso à parte da frente da camisa um crachá com os dizeres: “Operador de Vendas Externas/Pertence à RCR Atacado/PROIBIDO GORJETA”. Após ter anunciado os produtos e dizer o preço de cada um deles, ele fez questão de destacar que não aceitava gorjeta e pediu para que as pessoas não dessem dinheiro a ele se não quisessem comprar os doces.

Fiquei muito intrigado com aquilo. Inicialmente, pensei que ele quisesse se valorizar como trabalhador, pois estava vendendo os doces dele e, portanto, queria ser visto como uma pessoa capaz pelos outros passageiros. Em resumo, que ninguém ficasse com peninha do ceguinho e desse uma esmolinha para ajudá-lo. Até aí, tudo bem.

Entretanto, me senti fustigado com a mensagem no crachá dele e resolvi tirar a dúvida. Quando estava perto do ponto onde eu teria de descer, eu me levantei um pouco antes para dar tempo de puxar conversa com ele. Perguntei:

- Por que você disse que não pode aceitar gorjeta?

Ao que ele respondeu:

- Não posso porque a empresa me proíbe. Se o fiscal me ver aceitando dinheiro dos outros sem vender os produtos, eu tomarei reclamação do meu chefe e poderei até ser demitido por conta disso. Aí, é prejuízo pra mim, cara. Emprego tá difícil.

Sei muito bem que o mundo capitalista é cruel, que empresário não tem amor a ninguém exceto a família dele (e olhe lá) e que só quer saber de maximizar os lucros. Não sou nenhum bobinho. Mas eu não consigo deixar de me espantar com certas coisas que vejo por aí. Porra, pegar um homem cego, pobre, colocá-lo para vender doces nas ruas e ônibus de Salvador, e, como se não bastasse, ainda colocar um fiscal para vigiá-lo para que ele não aceite gorjeta de ninguém é demais para mim. É possível que de fato não houvesse fiscal nenhum escalado para monitorá-lo, mas o trabalhador não tinha como saber disso por razões óbvias. É por isso que eu falo sempre para os meus familiares, amigos e estudantes que nós não devemos ter um pingo de pena dos ricos, pois estes não têm misericórdia de ninguém.

Quando eu digo isso, invariavelmente surgem olhos arregalados e rostos espantados na minha frente por achar que eu sou um assassino em potencial (como os psicólogos, psicanalistas e psiquiatras dizem que qualquer pessoa é capaz de matar, os meus estudantes não estão necessariamente errados. Mas também não estão certos, pois eu nunca matei ninguém. Ainda). Entretanto, sejam sinceros: o que você acha que deve ser feito com um canalha que faz um absurdo desses com um homem cego e pobre? Não estou dizendo que os cegos não podem trabalhar. Mas desse jeito? Nessas condições? Além do mais, quem me garante que ele recebe a parte dele corretamente? Ele trabalha para uma empresa, mas com carteira assinada? Os encargos sociais estão sendo recolhidos?

Se fazer isso com um trabalhador que goza de todas as suas funções vitais já é um absurdo, com um portador de necessidades especiais chega a ser um crime hediondo. É inadmissível que as pessoas vejam isso e achem normal, por mais que a exploração seja vista como uma coisa normal por nós. Reconheço que mudar o olhar das pessoas é muito difícil (eu já tenho dificuldade para mudar o meu com relação a algumas coisas, que dirás mudar o dos outros), mas é necessário.

Eu não quero ter que achar normal ver um mano meu coberto com jornal, como bem disseram os Racionais MCs, mas há pessoas que são capazes de passar por uma pessoa jogada na rua, pisar em cima e ainda reclamar com ela. Infelizmente, somos educados para pensar que pimenta nos olhos dos outros é refresco e que nós estamos livres de ser reduzidos a essa condição. Enquanto não mudarmos isso, nada mudará.

domingo, 15 de agosto de 2010

O que estamos fazendo com as nossas crianças?

Vinha pensando em escrever sobre outra coisa há dois dias, mas mudei de idéia em virtude de uma conversa que tive hoje com uma vizinha. Ela contou uma história que me deixou profundamente estarrecido, revoltado e preocupado. Disse ela que a sua filha mais velha, de nove anos de idade, tem uma extrema dificuldade de ler. A menina, ainda de acordo com a mãe, faz cálculos matemáticos com uma precisão e rapidez invejáveis, mas a coisa muda completamente de figura na hora de fazer uma leitura. Ela até consegue reconhecer as letras, mas trava na hora de juntá-las e formar as palavras. Concordei com a mãe da menina quando ela disse que isso é um absurdo, pois é mesmo. Mas não foi isso que me assustou.

Fiquei apavorado com as reações que ela disse que tem diante do fraco desempenho escolar da filha. Como forma de “incentivar” a criança a estudar mais, ela acaba na verdade fazendo tudo o que não se deve fazer a uma criança com dificuldades de aprendizagem: grita, chama a filha de burra, preguiçosa, relapsa; diz que ela não está fazendo valer o investimento financeiro que está sendo feito na educação dela (a menina estuda em escola particular), incita a competição entre ela e o irmão mais jovem, de seis anos, ao dizer que ele já sabe ler enquanto ela está “atrasada”... Como se não bastasse, no final do bate-papo ela soltou mais essa: como a filha tem os cabelos alourados, ela, num dos vários acessos de fúria, justificou o fraco desempenho da menina à cor dos cabelos ao dizer que “para ser burra desse jeito, só podia ser loira mesmo!”

Gente!! Vocês não imaginam a quantidade de calafrios que eu senti ao ouvir isso. Muitas palavras já me impactaram por aí, mas não me lembro de quando fiquei tão assustado pela última vez antes de hoje à tarde. A minha sensação de pânico aumentou exponencialmente depois que ela disse que a filha já falou várias vezes que tem vontade de tornar-se médica pediatra. Agora, imaginem: nesse ambiente de pobreza e miséria em que vivemos, em que os maiores ídolos das crianças são os bandidos, onde infelizmente é possível encontrar crianças até mais jovens do que ela dizendo expressamente que o maior sonho das suas vidas é tornar-se “patrões do morro”; onde encontrar educação de qualidade é tarefa impossível, chega a ser surpreendente (e animador) saber que uma criança sonha em estudar medicina – ao mesmo tempo, é revoltante saber que a própria mãe dela, ao invés de apoiá-la, está castrando-a intelectualmente!

Vi-me na obrigação de fazer algo. A princípio, pedi encarecidamente para ela não fazer mais isso com a menina (não ofendê-la mais e não mais incitar a competição entre ela e o irmão), pois os danos psicológicos decorrentes disso podem ser irreversíveis. Como forma de convencê-la do absurdo que está fazendo, eu disse que isso não é burrice coisa nenhuma; que cada pessoa tem um ritmo diferente de aprendizado, e que provavelmente a escola onde ela estuda não está prestando atenção a isso. O que é bem possível, pois um dos meus sobrinhos enfrentou o mesmo problema: passou um ano e meio numa escola e saiu de lá sem ser capaz de ler uma palavra. Após a minha irmã tê-lo transferido para outra escola, ele, num intervalo de três meses, já havia aprendido a ler com relativa desenvoltura.

Para terminar, recomendei que ela assistisse a um filme chamado O Contador de Histórias. Este filme trata da vida de Roberto Carlos Ramos, um pedagogo mineiro de 44 anos, que, aos seis, foi entregue pela mãe à FEBEM por acreditar que essa instituição ofereceria o melhor futuro possível para uma criança preta, pobre e favelada de Belo Horizonte (crença essa que foi incentivada pela propaganda feita pela ditadura civil-militar brasileira). Lá, ao invés de estudar e aprender uma profissão, ele aprendeu a roubar, a fugir da instituição (132 vezes), a usar drogas e falar palavrão. Tido por irrecuperável, foi adotado pela pedagoga francesa Margherit Duvas e levado por ela para a França, onde morou de 1979 a 1984. Ao retornar ao Brasil, cursou Pedagogia na Universidade Federal de Minas Gerais, retornou à FEBEM como estagiário, adotou um interno da instituição (e mais treze crianças ao longo da vida) e se tornou um dos maiores contadores de histórias do mundo.

Essa foi a única forma que encontrei de mostrar à minha vizinha que não existe ninguém burro e irrecuperável. Só espero que ela assista ao filme e entenda a mensagem. Mas eu acredito que ela entenderá, pois eu não gosto de subestimar a inteligência de ninguém.

Se alguém tiver alguma sugestão de como agir para impedir que a castração intelectual dessa criança seja concluída, deixem-nas nos comentários. Pedagogos, professores, pais, mães, pessoas de bom coração, entrem em ação. A causa é nobre e o momento é urgente.

Ainda não dei o DVD do filme a ela, mas já acionei a minha namorada e pedi para ela providenciar a cópia com a maior brevidade possível. Temos de agir rápido.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Dois pesos e duas medidas.

Tenho assistido à televisão muito pouco ultimamente, e talvez por isso eu sempre vejo algo que me chateia, me revolta ou me estarrece toda vez que eu paro em frente ao televisor. Ontem, estava assistindo ao Fantástico quando vi, no começo do programa, uma chamada do quadro O Conciliador, com Max Gehringer, cuja “atração” foi o encontro da mãe de um adolescente de 15 anos - uma mulher de classe média-alta - que foi atropelado em São Paulo na frente de um shopping no dia 17 de maio deste ano, e o atropelador – um homem pobre, que trabalha como pintor, pai de duas filhas na mesma faixa etária do adolescente atropelado. Comecei a ficar puto porque percebi logo de cara que a matéria foi editada de modo a colocar o atropelador como uma pessoa fria, o culpado da história, sem que nenhum elemento comprobatório tivesse sido apresentado (não estou dizendo que ele não teve responsabilidade no caso, apenas que nenhuma evidência material da culpa do atropelador foi apresentada na matéria. Foi exibido somente o depoimento de uma testemunha que disse que o sinal estava vermelho para o motorista quando o acidente aconteceu, mas depoimentos não são suficientes para incriminar ninguém).

A mãe da vítima ficou a todo instante ressaltando a frieza e o descaso do atropelador ao dizer que ele nunca telefonou para saber como estava a vítima, nunca deu atenção, nunca foi visitar o filho dela, dentre outras coisas. Também foi enfatizado a todo tempo que o atropelador, apesar de não ter fugido, não ajudou a vítima e nem chegou perto para saber como ele estava. Ora bolas, que tipo de ajuda o rapaz podia prestar ao menino?! O sujeito não é médico, estava em estado de choque, totalmente descontrolado, mal se agüentava em pé; se ele chegasse perto e tentasse fazer alguma coisa, ele fatalmente teria piorado tudo e agravado as lesões que a vítima sofreu. E se isso fosse feito, é bem provável que o adolescente já nem estivesse mais vivo para contar história. Ao meu ver, ele agiu certo: permaneceu no local do acidente e esperou a ambulância chegar para levar a vítima ao hospital. Que mais alguém quereria que ele tivesse feito, ó céus?

A matéria ressalta que a mãe da vítima não tinha nenhuma intenção inicial de fazer com que o atropelador respondesse criminalmente pelo crime, mas optou por propor uma conciliação entre ela e o atropelador depois de ouvir os protestos do filho contra o que ele teria qualificado de omissão, pois, ainda de acordo com as declarações atribuídas ao adolescente, não era justo que o atropelador saísse ileso da história.

Ficou claro que o acusado teve poucas oportunidades de dar a sua versão do caso (ele até teve na hora em que a mediadora foi à casa dele oferecer a proposta da conciliação, mas não teve o mesmo tempo que a mãe da vítima no decurso da exibição da matéria), tanto que antes de exibir as declarações de Vivaldo (nome do motorista), o apresentador Zeca Camargo disse que ele tentou se justificar. Quando vi o momento em que o acusado chegou ao tribunal, sentou-se na antessala para esperar o início da audiência, e a mãe da vítima disse “ei, você que é o Vivaldo? Eu sou a mãe do adolescente que você atropelou”, eu pude até adivinhar o que aconteceria logo em seguida.

No decurso da audiência, a diferença de classe e de tratamento entre as partes ficou mais do que explicitada. Só não viu isso quem não quis. A mediadora, que em tese deveria conduzir a sessão, ficou o tempo todo calada e deixou a mãe da vítima determinar o rumo das coisas. Ela falou o que quis, durante o tempo que quis; ela passou a palavra para o acusado (quando na verdade era a mediadora que deveria fazer isso) e arregalou bem os olhos para encarar o acusado enquanto ele falava e dava a sua versão do fato. O cabra chorou, pediu desculpas, disse que não teve culpa no acidente; no momento em que foi dito que a pele da vítima teve de ser escovada para que os resíduos de asfalto fossem retirados, Vivaldo chorou tanto que houve até a necessidade de interromper a audiência para que ele pudesse se recompor. Na volta, aconteceu o fato mais escandaloso: a mediadora perguntou à mãe do menino qual era a pena que ela quereria que o acusado cumprisse. Porra, mas não deveria ser a mediadora que deveria propor isso? Que poder a mãe da vítima tinha para determinar a punição? Gente, eu me recuso a acreditar que fui a única pessoa que viu e se indignou com isso.

Para terminar, eu só quero fazer mais uma provocação: toda essa celeuma só foi feita porque foi um pobre que atropelou o filho de uma família de classe média. Entretanto, a mesma coisa teria acontecido se uma mulher ou um homem de classe média-alta tivesse atropelado uma das filhas do pintor?

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Os costumes dos outros são bárbaros e cruéis. E os nossos?

Estava lendo os jornais hoje quando me deparei com uma notícia inusitada. Vi, na BBC Brasil, uma nota sobre um sujeito que matou três parentes e feriu oito pessoas durante a festa de casamento dele. Vale dizer que, de acordo com a matéria, as mortes não foram gratuitas, oriundas de algum ato cruel por parte do autor. A coisa foi assim: em algumas regiões da Turquia, uma forma muito comum de comemorar alguma coisa é disparar tiros de fuzil AK-47 para o alto. Esse tipo de comemoração é muito comum, ainda de acordo com a reportagem, em casamentos, circuncisões e eventos esportivos. Dito isso, passemos aos fatos: o sujeito casou, estava radiante de felicidade, e resolveu seguir as tradições da sua região: pegou a Kalashnikov e começou a disparar tiros para cima. Só que, durante o ato, ele perdeu o controle da arma e consequentemente os tiros foram disparados em direção aos convidados. Resultado: o pai dele e duas tias foram atingidos e morreram na hora, e mais oito pessoas ficaram feridas e foram hospitalizadas.

Esse costume turco é bárbaro e sem sentido? Claro. Mas a guerra de espadas em Cruz das Almas (cidade do Recôncavo Baiano) também é. Portanto, se você achou que é uma sandice um sujeito pegar uma arma de guerra, com uma cadência de seiscentos tiros por minuto, e atirar para o alto para festejar um casamento, mas não abre mão de participar da guerra de espadas, saiba que você não tem autoridade moral nenhuma para condenar os turcos que festejam atirando para cima. A reportagem ainda afirma que o governo turco vem tentando, há muito tempo, proibir que essa forma de comemoração seja realizada, mas não consegue porque a população considera isso uma intromissão do Estado na vida particular das pessoas, pois trata-se de uma prática cultural (Eric Hobsbawm e Terence Ranger, em A Invenção das Tradições, foram muito felizes ao dizer que uma tradição pode ser perfeitamente inventada e difundida entre as pessoas a ponto de elas pensarem que a determinada tradição existe desde sempre. O próprio termo “tradição” é questionável, mas eu não vou entrar no mérito da questão agora).

A mesma coisa acontece com a guerra de espadas em Cruz das Almas. As autoridades baianas, todo ano, alertam a população para o perigo de participar desta festividade, mas as pessoas ignoram solenemente os avisos e continuam realizando esse costume tão bárbaro e sem sentido quanto disparar tiros de AK-47 para o alto para comemorar um casamento em nome da tradição. O governo da Bahia, ao que tudo indica, já desistiu de lutar contra isso, tanto que resolveu instalar um hospital de campanha em Cruz das Almas durante todo o mês de junho para atender os feridos. E o mais intrigante (e demonstrativo que nós somos tão sem-noção quanto qualquer outro povo do mundo) é ver pessoas que dão entrada nos hospitais cheias de queimaduras, mas voltam para a guerra logo depois de receberem alta médica ao invés de irem para casa descansar. Certa vez, uma repórter estava no hospital fazendo uma matéria sobre isso, e entrevistou um sujeito que estava com um dos braços todo enfaixado de atadura. Quando a repórter perguntou se ele pretendia retornar à guerra, ele disse sem a menor cerimônia: “Claro que sim! Nesse ano, eu comprei dois mil reais de espadas e não soltei nem a metade delas. Você acha que eu vou deixar o resto lá só por causa de uma queimadurazinha boba? Isso que aconteceu com o meu braço não é nada, faz parte da tradição”. Depois disso, vocês ainda acham que podem condenar os turcos por eles não terem acabado com o hábito de comemorar as suas alegrias com tiros para o alto?

Discuti exatamente sobre isso com um dos meus estudantes na semana passada, mas em um outro contexto. Ele me deu dois exemplares da Folha Universal, e fez comentários sobre algumas matérias publicadas. Uma das matérias que ele comentou versava sobre o costume existente em alguns países africanos e asiáticos de cortar o clitóris das meninas, prática que o meu estudante classificou de “bárbara e cruel”. Eu respondi que concordava totalmente com ele a respeito da barbaridade e crueldade de tal prática (visto que, além de abominável, o índice de mortalidade de meninas submetidas compulsoriamente a essa “cirurgia” é altíssimo), mas que nós não devemos ver isso como coisas de “africanos bárbaros, cruéis e selvagens”. Pois nós fazemos coisas tão bárbaras e cruéis com as nossas crianças e, em muitos casos, nem percebemos o que estamos fazendo ou achamos que isso é “normal”. Vocês nunca viram pais e mães por aí que melam a chupeta dos filhos na cerveja e dão a eles para que eles “se acostumem desde cedo”? Vocês nunca viram pais e mães (sim, as mães também fazem isso. Em menor grau, mas fazem) pegando os seus filhos desde cedo e dizendo “meu filho, não conte conversa. Pegue essas vagabundas que ficam dando mole pra você na rua e meta a pica! Você é homem, tem de furar mesmo!! Seja macho!!! Segurem as suas cabritas porque os meus bodes estão soltos”. Vocês nunca viram mulheres tentando convencer os filhos a comer dizendo o seguinte: “menino, coma tudo logo senão o velho vai aparecer aqui para levar a sua comida”. (Resultado: com isso, nós, inconscientemente, ensinamos os nossos filhos a pensar que todo velho é ladrão, e depois ficamos revoltados quando essas crianças crescem e começam a maltratar os idosos; tratá-los como se fossem lixos humanos; entram no ônibus, sentam-se nos lugares reservados e fingem que estão dormindo só para não levantar; ofendê-los e agredi-los das maneiras mais absurdas que existem; ou se apropriam indebitamente da aposentadoria dos pais e mães idosos, fracos e doentes. E ainda temos a cara-de-pau de dizer “eu não sei onde esse menino aprendeu isso”).

Na sexta-feira, eu estava conversando sobre isso com um colega de trabalho no ônibus e ele contou um caso bastante interessante. Disse ele que estava dentro de um ônibus rumo ao Vale das Pedrinhas (bairro popular de Salvador), e viu uma mulher conversando com o filho. Em um dado momento, o menino perguntou: “mãe, o que é favela?” A mãe dele disse que favela é “um lugar feio, onde só mora gente que não presta”. Eu nem quero imaginar o que esse menino fará com um favelado se, por acaso, ele crescer ouvindo isso e resolver tornar-se um policial militar. É provável que aquele tenente do Exército que entregou três jovens do Morro da Providência a traficantes do Morro da Mineira tenha sido educado com essa visão acerca das favelas e dos favelados. Vocês ainda se lembram disso?

Recentemente, os brasileiros ficaram escandalizados quando viram no Fantástico a forma como os homossexuais são tratados em Uganda (constantemente ofendidos e espancados em praça pública, obrigados a viver em guetos isolados e mudar de endereço com frequência, sistematicamente discriminados no mercado de trabalho e quando procuram atendimento médico, dentre outras coisas), especialmente quando souberam que alguns deputados ugandenses estão pedindo pena de morte para os homossexuais (sim, meus amigos, ser homossexual é crime em Uganda e em vários outros países). Tudo isso é um absurdo? CLAROOOOO!! Mas como os homossexuais são tratados aqui no Brasil: nós os respeitamos e entendemos que cada pessoa tem o direito de fazer o que quiser com os seus corpos e ninguém é inferior a ninguém por causa disso; que eles, como pessoas que são, também têm o direito à vida, à educação e ao trabalho ou também discriminamos, segregamos, humilhamos, ofendemos, agredimos e matamos os nossos homossexuais? Eu ainda acrescento que o Brasil é muito pior do que Uganda nesse aspecto, pois enquanto alguns deputados ugandenses estão pedindo respaldo legal para saírem exterminando os homossexuais lá, os homossexuais brasileiros são mortos pior que baratas sem a necessidade de legislação que tipifique tal atrocidade. Quem estiver duvidando, dê uma passada na sede do Grupo Gay da Bahia e peça para ver a quantidade de homossexuais que foram assassinados em Salvador e região metropolitana no ano passado, e quantos foram assassinados de janeiro deste ano até agora.

(Eu tenho a minha opinião e dificilmente serei convencido do contrário: esses caras que defendem o extermínio dos homossexuais são pessoas que só querem diminuir a concorrência. Trata-se de um rebanho de reprimidos que têm vontade de dar e medo de gostar, e por isso ficam com raiva do outro que teve coragem de enfrentar essa sociedade machista e homofóbica em que vivemos. Concordam comigo?)

O que nós fazemos quando descobrimos que há um homossexual na mesma sala de aula dos nossos filhos: entendemos que eles também têm o direito de estudar ou vamos à porta da escola fazer protestos e exigir a expulsão daquele estudante por acreditar que ele é uma “má influência” para as nossas crianças e/ou incitamos os nossos filhos a fazer todo tipo de miséria contra aquele colega de turma até que ele resolva abandonar a escola por não agüentar mais ser agredido verbal e fisicamente - sem encontrar apoio nos professores e diretores da escola contra isso? Se a escola for particular, então, fica mais fácil ainda: basta reunir os pais e mães descontentes e, em conjunto, ameaçar tirar os nossos filhos daquela escola se o “invertido sexual” não for expulso. Qual vocês acham que será a atitude da dona da escola? Ou melhor, o que vocês fariam se fossem donas de escola particular e se vissem em meio a uma situação dessa?

Muita gente por aí costuma dizer que “essas porras desses viados só sabem se prostituir”. A elas, eu sempre pergunto: você já viu alguma travesti trabalhando como caixa de supermercado? Como recepcionista de clínica? Como vendedora de loja? Como secretária executiva? Você já viu uma travesti médica, advogada, juíza, engenheira, enfermeira, professora? Diante da resposta óbvia, eu pergunto mais uma vez: e por que você acha que isso acontece? Alguns ficam sem saber o que dizer, outros dizem que isso acontece porque “esses viados descarados não gostam de estudar e só querem saber de dar o cu mesmo!”. Aos que dizem isso, eu pergunto: o que você faria se descobrisse que há uma travesti estudando na mesma turma que o seu filho ou sua filha? Se você fosse empresária, você daria emprego a uma travesti, por mais competente que ela fosse? Tentem imaginar as caras e as desculpas hipócritas, esfarrapadas e estapafúrdias que essas pessoas dão.

É muito fácil criar toda sorte de barreiras para impedir aquelas pessoas que nós tanto odiamos de ascender socialmente e ter uma vida digna, e depois dizer que elas têm uma vida miserável e em condições aviltantes porque são preguiçosas, vagabundas, não gostam de estudar, são relapsas, desinteressadas e não querem nada com a hora do Brasil. Isso foi (e ainda continua sendo) feito com os negros, com as mulheres e com os homossexuais. Direitos sexuais também são direitos humanos, e nós não cresceremos e melhoraremos em nada (nem individual nem coletivamente) enquanto não nos levantarmos contra toda e qualquer forma de preconceito e discriminação.

Depois disso tudo, vocês ainda acham que só os costumes dos outros são bárbaros, cruéis, nojentos e sem sentido? Que os outros estão sempre errados e nós estamos sempre certos? Não seria melhor que nós nos olhássemos no espelho antes de apontar os defeitos e imperfeições existentes na cara do vizinho, e tentar consertá-los antes de falar mal e fazer chacota dos hábitos alheios?

domingo, 13 de junho de 2010

"Ah, meu deus! Ela nem tinha cara de ladra!"

Assisti a esse programa na sexta-feira última, e após o fim deste veio à minha mente a pergunta inevitável: se ela fosse preta, pobre e favelada, teria conseguido fazer tudo o que fez?

Gostei especialmente da parte em que a bandida diz com a maior desfaçatez do mundo o seguinte: "fiz tanto sucesso no crime porque a sociedade é muito preconceituosa". Afinal de contas, as pessoas sempre pensam que uma mulher branca, loira, cabelos esvoaçantes ao vento, olhos azul-piscina, corpinho de modelo, rostinho de boneca, culta, inteligente, filha de um alemão e de uma estadunidense, que sabe se expressar muito bem e domina três idiomas não pode se tornar uma ladra, estelionatária, traficante e assassina.

Apesar disso tudo, eu achei pouco o que ela fez por aí. Eu duvido que o dono da joalheria concordasse em abrir a loja fora do horário do expediente se o pedido fosse feito pela minha mãe, pela minha esposa ou por uma das minhas tias e irmãs. Quem gosta de julgar as pessoas pela aparência tem mais é que se foder mesmo.

Vejam, se quiserem, e tirem as vossas conclusões.

Parte 1:


Parte 2:


Parte 3:


Parte 4:


Parte 5:


Parte 6:


www.twitter.com/rogeriolusantos

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Rio de Janeiro: Auschwitz Versão Brasileira*

Recebi hoje um email com um manifesto de um bloco de carnaval chamado Se Benze que Dá, que está capitaneando um protesto contra a construção de um muro que cerca as comunidades da Maré, localizada na cidade do Rio de Janeiro. A justificativa dada pelos governos estadual e municipal para esse absurdo é que, além de contribuir para a melhoria de vida (!) e proteger as crianças das comunidades do risco de serem atropeladas (!!), o muro servirá como "barreira acústica" (!!!). Entretanto, sabe-se muito bem que o real objetivo de tal medida é esconder as favelas do campo de visão dos turistas que visitarão a "cidade maravilhosa" durante a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 - além de ser uma ótima medida para aumentar a criminalização da pobreza e assim tornar mais eficaz a opressão contra os pretos, pobres e favelados da cidade, é claro.

O custo total dessa ignomínia será de R$ 20 milhões. Pergunto: se o objetivo fosse mesmo melhorar as condições de vida dos moradores da Maré, por que os governos municipal e estadual não pensaram em usar essa grana para construir escolas, postos de saúde e creches dentro da favela, além de aperfeiçoar o sistema de escoamento da água da chuva? Seria muito melhor fazer isso do que tentar empurrar a sujeira para baixo do tapete (não que eu pense que os moradores da Maré são sujeira, é claro).

Ao ver esse vídeo, eu me lembrei imediatamente das medidas tomadas pelos governos da África do Sul na era do apartheid para manter os pretos confinados nos bantustões e distantes das áreas nobres das principais cidades sul-africanas. É ou não é muito parecido?

Só falta o prefeito do Rio de Janeiro baixar um decreto exigindo que os moradores da Maré apresentem um passe aos policiais toda vez que desejarem sair da comunidade. Eu não ficarei nem um pouco surpreso se isso acontecer (se bem que, na prática, isso já acontece).

Vale salientar que isso não é coisa nova. Ainda de acordo com o manifesto divulgado pelo bloco carnavalesco supracitado, o Governo tentou fazer a mesma coisa em 2003 e 2004 como forma de "embelezar" a cidade para os Jogos Panamericanos de 2007 - mas não conseguiu. Agora, com a realização dos dois maiores eventos esportivos do mundo, parece que as autoridades cariocas estão decididas a empenhar todos os esforços possíveis para erguer essa coisa horrenda e vergonhosa que mais lembra os campos de concentração nazistas da Segunda Guerra Mundial. Com base nisso, digo que também não ficarei surpreso se o governo colocar cercas eletrificadas no alto dos muros e policiais armados em guaritas com ordem para atirar em quem tente sair da favela sem autorização, mas é claro que isso não será feito (pelo menos não tão explicitamente). Dará muito na vista.

Confiram o manifesto:

*O título deste post é uma paráfrase da música "São Paulo: Auschwitz Versão Brasileira", do grupo de rap Facção Central. Se quiserem escutá-la (coisa que eu recomendo), ela está no CD Direto do Campo de Extermínio.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Haiti: passado, presente e futuro

No dia 12/01/2010, o Haiti foi arrasado por um forte terremoto que matou por volta de trezentas mil pessoas, destruiu a já precária estrutura física do país e deixou os sobreviventes numa situação pior do que a que já estavam. Muita coisa foi dita acerca deste país e sobre as causas desta tragédia: que isso foi uma punição por conta de um pacto feito pelos escravizados com o Diabo para livrar o país da dominação francesa; consequência inexorável de uma suposta "maldição" intrínseca à população haitiana, dentre outras coisas.

Como forma de rebater todas essas merdas veiculadas na grande imprensa nacional, o Instituto Cultural Steve Biko convidou o professor Carlos Moore para dar uma palestra, realizada no dia 25/01/2010, com a finalidade de mostrar o processo histórico que levou este país caribenho a estar nessa situação de miséria generalizada em que se encontra atualmente. Durante a explanação do professor Moore, fica claro que a catástrofe social tem causado muito mais danos do que a catástrofe natural, e que o povo haitiano ainda está pagando muito caro por ter sido a única colônia americana cujo processo de independência foi planejado e executado pelos escravizados.

É uma boa pedida para quem, até hoje, só ouviu falar deste país através dos noticiários da Rede Globo e dos comentários infelizes de Arnaldo Jabor.

Segue para a vossa apreciação:



quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sobre os campos de concentração cearenses (ou "o Brasil também já foi nazista?")

Quando nós ouvimos a expressão "campos de concentração", pensamos imediatamente nas prisões criadas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial para exterminar os "indesejáveis" da sociedade alemã: judeus, eslavos, homossexuais, ciganos... Símbolos máximos do horror causado pelos comandados de Adolf Hitler, alguns deles (Dachau, Auschwitz-Birkenau, Treblinka, Bergen-Belsen, Buchenwald, Mauthausen-Gusen...) foram transformados em museus e passaram a ser visitados por pessoas das mais diferentes regiões do mundo. Imagino que deve ser bastante deprimente visitar um lugar desse, mas ter conhecimento de uma das páginas mais macabras da nossa história recente é necessário para que nós tenhamos uma noção mais nítida das misérias que uma ideia maldosa pode levar um grupo de pessoas a fazer, e a partir daí empenhar o máximo das nossas forças para impedir que isso aconteça de novo. Eric Hobsbawm, no capítulo 1 do livro Sobre História, é muito claro ao dizer que os discursos também podem causar guerras e provocar danos iguais ou até maiores do que a explosão de uma bomba atômica - e eu concordo integralmente com isso.

Portão principal do campo de concentração nazista de Auschwitz, na Polônia. No alto, vê-se a inscrição "Arbeit Macht Frei", que pode ser traduzida para o português como "o trabalho faz a liberdade".

No entanto, isso não foi exclusividade dos nacional-socialistas alemães. No Ceará, também foram criados locais iguais a esses em regiões estratégicas do agreste cearense e em algumas cidades da região metropolitana de Fortaleza. O objetivo dessa medida era impedir que os retirantes da seca (chamados à época de "molambudos") conseguissem chegar à capital cearense em busca de melhores condições de vida e, por consequência, pusesse por terra o plano das elites cearenses de "civilizar" e "modernizar" as ruas e avenidas da cidade. Vale dizer que "campo de concentração" não é um termo importado da Alemanha, mas uma denominação presente nos jornais cearenses da época (começo do século XX) e bem anterior à construção do primeiro campo de concentração nazista, localizado na cidade alemã de Dachau.

Além disso, devemos destacar que enquanto os jornais chamavam esses locais de "campos de concentração", a população concentrada chamava de "currais do governo", o que é uma clara demonstração de que as pessoas que foram lá jogadas sabiam muito bem o que estava acontecendo, quem eram os responsáveis por aquela situação, tinham total consciência dos objetivos pretendidos com essa medida e como eram vistas e tratadas - como animais!

O programa Mais Você, da Rede Globo, veiculou uma reportagem sobre isso na edição de hoje, 22/04/2010. Confiram aqui:


Eu não gosto muito das fuçanhas de Ana Maria Braga. Para mim, ela é uma mulher fútil e que não acrescenta nada na vida de ninguém; penso que há coisas muito mais interessantes que as mulheres brasileiras precisam aprender do que somente cozinhar, fazer artesanatos idiotas e assistir a entrevistas com pessoas tão vazias quanto ela. No entanto, levantei da cama hoje e assisti a essa reportagem porque o tema é interessante e revelador de uma realidade escondida por muito tempo do conhecimento público (não é por acaso que os Racionais MCs disseram para a gente ter fé porque até no lixão nasce flor). Havia lido um texto sobre o assunto há cerca de quatro ou cinco dias, e fiquei mais chocado ainda quando vi, tanto no texto como na reportagem, relatos de algumas sobreviventes dos campos de concentração brasileiros.

Vocês, eu não sei. Mas no momento em que eu vi esse vídeo, eu associei imediatamente a imagem da linha do trem próxima ao campo de concentração de Senador Pompeu com a imagem da chegada dos trens trazendo "carregamentos" de judeus ao campo de concentração nazista de Auschwitz (quem assistiu ao filme A Lista de Schindler sabe do que eu estou falando). Isso serve para nós entendermos que aqui, bem pertinho de nós, houve quem fizesse coisas bem mais odiosas e execráveis do que os nazistas, e que devemos nos olhar mais no espelho antes de falar dos defeitos e misérias que acontecem nos países dos outros. Afinal de contas, por que aqueles que criticaram tanto a postura do presidente Lula com relação aos presos políticos cubanos ficaram calados até hoje sobre o caso dos campos de concentração cearenses? Será que ninguém sabia disso?


domingo, 18 de abril de 2010

Vocês ainda acham que não há preconceito no Brasil?

Se vocês ainda acreditam que não há racismo no Brasil; leram e acreditaram em todas as merdas escritas e ditas por Demétrio Magnoli, Ali Kamel, Yvonne Maggie, Peter Fry e companhia limitada; pensam que racismo é coisa de denuncistas radicais desocupados e paranoicos do Movimento Negro (um rebanho de vagabundos que não tem o que fazer e portanto fica enchendo a paciência dos outros com essas histórias); ou coisa de gente complexada ("isso é coisa da sua cabeça"), vejam isso e depois nós conversaremos:


O mais divertido será ver os comentários (se é que alguém lê isso aqui).

Eu não gosto muito das fuçanhas de Marcos Mion, mas tenho de reconhecer que ele fez uma coisa boa dessa vez.

Inté.

sábado, 10 de abril de 2010

Considerações sobre a teimosia humana (ou quem não ouve "cuidado" ouve "coitado")

Na madrugada de hoje, um acidente aéreo na região de Smolensk (a 400km a oeste de Moscou), matou o presidente da Polônia, Lech Kaczynski, a esposa dele, o presidente do Banco Central polonês e os mais altos oficiais militares poloneses (ao todo, foram 97 mortos). Todos estavam indo à Rússia a fim de prestar uma homenagem a soldados poloneses que foram assassinados pelo exército soviético em 1940 (familiares dos poloneses mortos na guerra também estavam no avião). Trata-se de um fato polêmico, que envolveu Rússia, Polônia e Alemanha, e que marcou o começo da Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, o que mais me chamou a atenção no caso não foi nada isso. Fiquei mais intrigado ao saber que, de acordo com o que foi divulgado na imprensa, a tripulação do avião que transportava o presidente polonês e a sua comitiva foi advertida pelos controladores de voo russos que as condições climáticas estavam péssimas (muita neblina), e que por isso seria mais prudente desviar a rota e aterrissar em Moscou ou em Minsk, capital da Bielorrússia (ou Belarus, como dizem). O pedido foi sumariamente ignorado pela tripulação polonesa, tanto que o piloto tentou pousar no aeroporto de Smolensk quatro vezes. Tanta insistência só poderia ter dado nisso.

Ao ouvir isso, eu me perguntei por que nós somos tão teimosos; por que nós insistimos tanto em dar de ombros para algum alerta ou aviso que as outras pessoas nos fazem. Não estou dizendo que nós devemos acreditar em tudo o que ouvirmos por aí, mas, nesse caso específico, custava escutar as recomendações dos russos e pousar em um lugar mais seguro? Custava ser mais prudente e preservar as vidas humanas que estavam dentro do avião (e a vida da tripulação também, pois ninguém conseguiu escapar vivo desse desastre)? Gente sacana, escrota e que gosta de tirar sarro da cara dos outros existe em qualquer lugar, mas eu me recuso a acreditar que os controladores de voo russos brincariam com um assunto tão sério como esse - ainda mais tratando-se de uma comitiva liderada por um chefe de estado.

Isso me lembrou do caso Gabriel Buchmann (se uma coisa tem algo a ver com a outra, eu não sei, mas foi a associação que eu fiz), aquele carioca que estava viajando o mundo inteiro com vistas a acumular conhecimento necessário para escrever a sua tese de doutorado sobre a pobreza e acabou morrendo no Monte Mulanje, no Malawi, ano passado. Guardadas as devidas proporções, Buchmann fez a mesma coisa que a tripulação polonesa fez hoje. Vejam: ele estava num lugar que não conhecia, subiu no monte sem pedir a autorização dos espíritos (os malawianos acreditam que o Monte Mulanje é habitado por espíritos, e por isso todos aqueles que querem subir o morro precisam pedir autorização a eles para entrar; os que não fizeram isso estão lá até hoje), e ainda teve a pachorra de dispensar o guia, após este ter avisado insistentemente que o dia estava ficando escuro e que portanto era mais prudente retornar à base e deixar a escalada para o dia seguinte. Como ele se recusou a fazer isso (talvez por ter pensado que todos esses costumes não passavam de "crendices atrasadas" ou por ter achado que tinha experiência suficiente para superar qualquer adversidade natural), terminou se perdendo e morrendo de frio enquanto dormia.

É por isso que eu digo: sejam humildes. Respeitem os costumes dos lugares e prestem um pouco mais de atenção às orientações das pessoas que moram lá, que vivem lá, que conhecem os hábitos da região. Não sejam ingênuos, mas também não sejam arrogantes. Se vocês estiverem num lugar desconhecido, quiserem entrar em uma selva ou fazer uma escalada e alguém disser que o tempo não está adequado, seja prudente. Pode ser que aquela pessoa esteja te sacaneando, mas vocês dificilmente terão como descobrir isso com rapidez. Na dúvida, é melhor não arriscar e checar as informações com outra pessoa.

Não pensem que o conhecimento acadêmico ou os documentários da National Geographic que vocês assistem toda semana fornecem informações que são verdades absolutas e cem por cento válidas, pois não são. Com relação ao comportamento do mar, por exemplo, eu prefiro confiar mais nas orientações de um pescador humilde a seguir as palavras de muitos biólogos ou engenheiros ambientais com doutorado no MIT ou em Harvard por aí. O biólogo e o engenheiro podem até ter bastante conhecimento técnico, mas quem conhece o comportamento das águas na prática é o pescador, pois é ele que está lá todo dia. É ele que sabe quando o mar está bom para a pesca ou a navegação. Os livros, por mais completos que sejam, nunca mostram como as coisas acontecem no mundo concreto com a mesma dimensão de quem está acostumado a ver os fenômenos de perto todo dia.

Quem não ouve cuidado ouve coitado.

sábado, 20 de março de 2010

"Emancipate yourselves from mental slavery. None but ourselves can free our minds".

Ontem, estava navegando pela internet quando vi uma reportagem sobre um amistoso que o Santos fará pela inauguração do estádio do Red Bull, Estados Unidos. Na matéria, havia um vídeo com os jogadores Robinho e Neymar convidando, em inglês, o público estadunidense a comparecer ao estádio. Detalhe: Robinho, apesar de ter morado durante dois anos na Inglaterra, falava inglês com extrema dificuldade e Neymar limitou-se somente a repetir a frase "I love you, America" várias vezes durante a gravação.

Fui à seção de comentários a fim de saber o que as pessoas haviam dito sobre o fato (de certa forma, eu já previa o que encontraria lá). Houve de tudo: gente dizendo que Robinho era idiota metido a palhaço, que ele era analfabeto, que era absurdo uma pessoa morar dois anos na Inglaterra e falar um inglês de merda daquele, dentre outras bobagens.

Pouco me interessa definir se Robinho é palhaço ou idiota (ou as duas coisas juntas). Acho que o tempo que Robinho passou na Inglaterra foi suficiente para ele adquirir uma certa desenvoltura no idioma, mas não é isso que eu quero discutir aqui. Eu quero saber que obrigação ele tem de falar inglês. Acredito que nenhum dos dois tem obrigação de falar língua estrangeira nenhuma. Muita gente achou ruim quando Robinho disse que não dá importância ao fato de não saber falar bem o idioma de Shakespeare, e que está interessado mesmo em jogar futebol e fazer gols. Porra, ele está certo! Robinho não tem obrigação e Neymar tem menos ainda, pois ele nunca saiu daqui.

Quando eu ouço essas coisas, eu fico pensando: se o jogo acontecesse aqui no Brasil, os brasileiros encheriam a paciência dos gringos para o fato de eles não saberem falar a nossa língua? Então por que raios um brasileiro têm de saber falar a língua deles? Afinal de contas, Robinho e Neymar irão aos Estados Unidos para jogar uma partida de futebol ou dar uma palestra em Harvard? Vão para o inferno, rebanho de colonizados!! Quando um estadunidense vem ao Brasil, ele pouco se importa com o fato de não saber falar português (e ninguém faz deboche com isso). Eles falam a língua deles e nós que nos fodamos para arranjar um tradutor. Se é assim, nós temos de fazer a mesma coisa: ir ao país deles e falar a nossa língua. Se eles quiserem entender o que nós estamos falando, eles que arranjem tradutor também. O nome disso é princípio da reciprocidade.

Não estou dizendo que nós, brasileiros, não devemos dominar uma ou mais línguas estrangeiras. Muito pelo contrário. Devemos, sim, até porque o domínio do inglês, do francês, do espanhol, do alemão, do italiano e outras são critérios de poder aqui no nosso país. Os branquinhos de classe média conseguem mais bolsas de intercâmbio do que nós porque sabem falar vários idiomas, coisa que nós, devido à educação pública precária e as nossas dificuldades financeiras, não sabemos. Além disso, passamos a ter acesso a conhecimentos mais variados quando lemos e conversamos em outras línguas.

Eu só quero que nós nos libertemos desse famigerado colonialismo mental. Em outras palavras, se nós somos obrigados a falar inglês para entrar nos Estados Unidos, nós também devemos exigir que os estadunidense aprendam português para entrar no Brasil. Podem dizer o que quiserem a meu respeito, mas só quem já saiu do país sabe do que eu estou falando. Eu já saí (passei quatro meses nos EUA), e portanto sei muito bem como o pessoal de lá vê aqueles que não falam bem o inglês.

Só seremos respeitados quando soubermos valorizar mais o que é nosso – o que não significa desprezar tudo o que vem de fora, é claro.




quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Levante Sua Voz

Para quem acha que vivemos em tempos de liberdade de expressão, vale conferir esse documentário:


Parte 1:


Parte 2:

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Afirme-se também no Carnaval

AFIRME-SE TAMBEM NO CARNAVAL!!!


AFIRME - SE!
PELA MANUTENÇÃO NO STF DAS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA

Banco Itaú
Conta corrente: 65.354-9
/ Agência: 0061

DOE QUANTO PUDER POR DEPÓSITO OU TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. O FUNDO BRASIL DE DIREITOS HUMANOS É RESPONSÁVEL PELA CONTA. TODO O RECURSO DOADO SERÁ EXCLUSIVAMENTE PARA PAGAMENTO DOS FORNECEDORES DA CAMPANHA (JORNAIS, RÁDIOS ETC), A PARTIR DE DEFINIÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE PAGAMENTO DA AGÊNCIA PROPEG DE PUBLICIDADE.

IMPORTANTE: 160 mil pessoas doando apenas R$ 5 cada, de uma única vez, ajudariam a alcançarmos nossa meta e pagar por essa campanha histórica do movimento social.

Para entrar em contato, escreva para: afirme.se@gmail.com
EM ANEXO MATÉRIAL DA CAMPANHA PARA IMPRESSÃO.
Prezado(a) Representante de Entidade/Instituição do Movimento Social, Movimento Negro, Movimento Indígena, Movimento Homossexual, Movimento Quilombola e demais:
Como é do vosso conhecimento, o Supremo Tribunal Federal (STF) pautou para os dias 3, 4 e 5 de março próximo o inicio das discussões para julgar a continuidade ou a extinção das políticas de ação afirmativa (cotas etc) recentemente adotadas por algumas instituições no país. Está em risco a expectativa de milhões de brasileiros.
Do resultado deste julgamento pode resultar o fim de todas as conquistas obtidas nos últimos anos pelo movimento social, pelo movimento negro, pelo movimento indígena, pelos quilombolas, pelo movimento homossexual – na medida em que, se a maioria dos 11 ministros do STF decidir que políticas de ação afirmativa são inconstitucionais no Brasil, tais políticas não poderão mais existir.
É um momento grave, ainda mais porque toda a grande mídia brasileira tem se posicionado contra as ações afirmativas, tentando com isso influenciar a opinião pública, o Congresso Nacional, os juízes e outras instâncias para que cotas e outras políticas similares sejam extintas.
Diante da gravidade da discussão, estamos propondo uma campanha afirmando a constitucionalidade de tais políticas. De modo especifico, sem prejuízo de outras iniciativas, a proposta é de uma campanha publicitária a ser feita em veículos da grande mídia nacional e em placas de outdoor espalhadas por 8 grandes capitais brasileiras, às vésperas das datas marcadas pelo STF.
Para debater e saber como sua instituição pode participar, contamos com sua presença nesse momento importante de nossa história.
Dj Branco
CMA HIPHOP
71-91510631

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Somos tão corruptos quanto qualquer político brasileiro (concordam com isso ou eu estou exagerando?)

É costume entre os brasileiros reclamar da má conduta dos políticos, dos mensalões, dos escândalos dos dinheiros na meia e na cueca, do nepotismo, da troca de favores, do tráfico de influência e de tantas outras coisas que já são figurinha carimbada nos telejornais e já fazem parte do nosso anedotário (ao invés de reagir contra esse estado de coisas, nós fazemos piadas e paródias que só contribuem para naturalizar esses crimes). É difícil não achar uma pessoa que se mostre indignada com isso tudo. Entretanto, a observação atenta e o acúmulo de experiências colocaram algumas questões na minha cabeça: nós somos tão inocentes e ingênuos assim? Que moral nós temos para falar dos desmandos cometidos pelos nossos "representantes"? Somos tão honestos quanto aparentamos nas nossas relações cotidianas? As pessoas que reclamam e ficam putas da vida com esses escândalos o fazem porque acham inaceitável que aqueles "que deveriam dar o exemplo" façam coisas desse tipo com o dinheiro público ou porque não estão lá para tirar a sua lasquinha também? Agiríamos diferentemente se por acaso estivéssemos no lugar deles (nem que seja por pouco tempo)? Como nós nos comportamos quando temos um poderzinho de nada nas mãos?

Também ficamos igualmente irados quando alguém usa a posição de poder ocupada por algum parente próximo ou amigo para obter favores pessoais ou livrar-se das malhas da lei (práticas conhecidas culturalmente pela sigla “QI” e pelo bordão “você sabe com quem está falando?”). Mas quando nós conhecemos alguma pessoa relativamente poderosa e temos consciência de que obteremos um documento ou um serviço de maneira mais rápida e menos burocrática (embora totalmente ilícita ou antiética e em alguns casos injusta e/ou indecente) se recorrermos a ela, de que forma nós nos comportamos: agimos de acordo com a lei e as regras ou, como bem disse o general Jarbas Passarinho, “mandamos às favas os escrúpulos da nossa consciência”?

Ontem, eu e a minha namorada estávamos indo ao supermercado. No meio do caminho, um vizinho meu passou de carro e perguntou se nós queríamos uma carona. Aceitamos. Ele já dirige há um bom tempo, possui carro próprio desde 2008, mas não tem carteira de habilitação. Como já sabia disso, perguntei se ele já havia tirado a carteira (apesar de ele morar perto de mim, nem sempre tenho oportunidade de conversar com ele com frequência). Ele disse que não porque, segundo ele, "ainda não teve tempo" para ir ao DETRAN a fim de realizar os procedimentos necessários para a obtenção do documento. Pedi para ele tomar cuidado, pois em tempos de carnaval a fiscalização fica mais rigorosa – ao menos midiaticamente. Após ouvir isso, ele disparou logo em seguida e sem a menor cerimônia: “porra nenhuma, Rogério! Eu tenho as costas quentes. Para mim, não dá nada. Se a fiscalização me pegar, basta eu dar um telefonema que tudo estará resolvido”. Como forma de demonstrar poder, ele ainda levantou o celular e bateu na tela do aparelho duas vezes com a unha do dedo indicador direito.

É claro que eu não disse nada na hora. Mas depois que eu saí do carro, eu me virei para a minha namorada e disse o seguinte: “está vendo por que eu sempre digo que esse país não vai mudar nunca?”.

domingo, 31 de janeiro de 2010

AFIRME-SE!


ENQUANTO É CARNAVAL NO BRASIL....

COTAS E POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA ESTÃO SOB ATAQUE


PLENÁRIA DE ARTICULAÇÃO DA CAMPANHA AFIRME-SE!, EM SALVADOR*

DATA: QUINTA-FEIRA, 4/02/2010, 18h

LOCAL: BIBLIOTECA CENTRAL DOS BARRIS


Prezado(a) Representante de Entidade/Instituição do Movimento Social, Movimento Negro, Movimento Indígena, Movimento Homossexual, Movimento Quilombola e demais:

Gostaríamos de contar com sua presença, representando vossa instituição, em reunião Plenária de articulação da campanha nacional AFIRME-SE! Pela Manutenção no STF das Políticas de Ação Afirmativa. Em Salvador a plenária acontece na próxima quinta-feira, dia 4 de fevereiro, das 18h às 20h, na Sala Luiz Orlando na Biblioteca Central dos Barris. Diversas entidades dos movimentos sociais, negro e indígena, estão sendo convidadas a participar.

Como é do vosso conhecimento, o Supremo Tribunal Federal (STF) pautou para os dias 3, 4 e 5 de março próximo o inicio das discussões para julgar a continuidade ou a extinção das políticas de ação afirmativa (cotas etc) recentemente adotadas por algumas instituições no país. Está em risco a expectativa de milhões de brasileiros.

Do resultado deste julgamento pode resultar o fim de todas as conquistas obtidas nos últimos anos pelo movimento social, pelo movimento negro, pelo movimento indígena, pelos quilombolas, pelo movimento homossexual – na medida em que, se a maioria dos 11 ministros do STF decidir que políticas de ação afirmativa são inconstitucionais no Brasil, tais políticas não poderão mais existir.

É um momento grave, ainda mais porque toda a grande mídia brasileira tem se posicionado contra as ações afirmativas, tentando com isso influenciar a opinião pública, o Congresso Nacional, os juízes e outras instâncias para que cotas e outras políticas similares sejam extintas.

Diante da gravidade da discussão, estamos propondo uma campanha afirmando a constitucionalidade de tais políticas. De modo especifico, sem prejuízo de outras iniciativas, nesta Plenária em Salvador apresentaremos a proposta de uma campanha publicitária a ser feita em veículos da grande mídia nacional e em placas de outdoor espalhadas por 8 grandes capitais brasileiras, às vésperas das datas marcadas pelo STF.

Para debater e saber como sua instituição pode participar, contamos com sua presença nesse momento importante de nossa história.

Atenciosamente,

Fernando Conceição, jornalista

e-mail: fernconc@ufba.br

pela articulação da campanha Afirme-se!

Tel. (71) 8607-8860

Salvador, 29 de Janeiro de 2010.

* plenárias similares estão sendo propostas para São Paulo, Rio e Brasília.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Violência e alimentação.

Confesso que fiquei assustado após ter assistido a esse documentário. Até hoje, eu nunca tinha visto nada de forma tão direta - e impactante - sobre a questão da alimentação, em especial sobre o consumo de carne.

Não vou induzir a opinião de ninguém. Vejam e tirem as próprias conclusões, se quiserem:

Parte 1:

Parte 2:

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

As sutilezas do racismo

Como bem disse o antropólogo e professor da USP Kabengele Munanga, o racismo não é algo facilmente detectável a olho nu. Para notá-lo, é preciso ter muita atenção e preparo intelectual porque nem sempre (ou quase nunca) os racistas têm a coragem necessária para falar na cara o que pensam sobre os pretos, os africanos e afrodescendentes espalhados pelo mundo.

Ontem, em meio à desgraça causada pelo terremoto que devastou Porto Príncipe, que matou, dentre várias outras pessoas, a fundadora da Pastoral da Criança, Dra. Zilda Arns Neumann (a quem eu quero manifestar o meu pesar), o cônsul do Haiti no Brasil, George Samuel Antoine, deu uma entrevista ao SBT com declarações ultraofensivas ao povo haitiano. Disse ele que "a desgraça lá está sendo uma boa pra gente aqui, fica conhecido", que o terremoto pode ser causado pelo fato de os haitianos "mexerem tanto com macumba", e, para completar, disse que "o africano em si tem maldição. Todo lugar que tem africano está fodido".


Eu não sei o que foi pior: o cônsul do Haiti ter dito todas essas merdas acerca da afrodescendência da população haitiana ou a repórter Helaine Cortez ter tentado minimizar as declarações desse racista asqueroso ao dizer que "com tanto sofrimento, não é possível que o cônsul pense mesmo no que falou. Ele só pode estar tão abalado quanto as famílias e em busca de conforto espiritual para a tragédia"

Boa maneira essa de buscar conforto espiritual após uma tragédia!! Já passei por alguns momentos difíceis na vida (nenhum deles tão grave quanto esse que o povo haitiano está sofrendo, é claro), mas que direito eu teria de ofender outras pessoas por causa disso? E mais: que direito eu teria de agredir as religiões de matriz africana ao imputá-las a responsabilidade por tamanha desgraça a um país já bastante massacrado pela miséria?

Ele não pensou no que disse o cacete!! Essa excrescência humana sabia muito bem o que estava dizendo. É muito fácil ofender alguém e depois dizer que fez isso porque estava de "cabeça quente", que "estava muito abalado" e que, portanto, "não sabia o que estava dizendo". Esse sujeitinho só falou isso porque tinha certeza de que não estava sendo gravado. Pois se ele desconfiasse que a câmera estava ligada, jamais teria dito o que pensa sobre os africanos e os afrodescendentes.

Boris Casoy fez a mesma coisa ao humilhar publicamente os trabalhadores da limpeza pública da cidade de São Paulo que deram uma mensagem de Feliz Ano Novo no dia 31/12/2009. Se ele sonhasse que o microfone dele estava ligado, ele jamais teria dito o que pensa acerca dos garis. Entretanto, o que poderíamos esperar de um homem que hoje posa de paladino da democracia, mas que no passado apoiou a ditadura militar ao fazer parte do Comando de Caça aos Comunistas? Quem quiser tirar as próprias conclusões, clique aqui.

Declarações como essas me revoltam, mas não mais me surpreendem porque os covardes são assim mesmo: só atiram pelas costas.